27.2.13

.A acácia espera, desesperada…

 


Desesperada, a acácia ergue os dedos frios para o céu.

Impacienta-se quando alguma ave de passagem a usa como poleiro…

Inveja as folhagens perenes do pinheiro e do mióporo que a ladeiam.

O ressentimento que a consome é tão intenso que não consegue fruir, antecipadamente, o milagre que a primavera não tardará a trazer-lhe: um manto de folhas tenras bordado a flores de ouro!

 

António Pereira

26.2.13

.A primeira flor…



Do topo do mais alto ramo, o pessegueiro ergue, como um facho, a sua primeira flor…
O azul sem fim ilumina-se para ser o palco onde ela, frágil mas decidida, será a primeira a receber a primavera…
Escondido, observo-a e murmuro, muito baixinho: “Força, amiga! Que o fruto dos teus sonhos cresça feliz!”

António Pereira


22.2.13

.Um cogumelo no prado!

 
O pequeno esporo caiu desamparado (e muito assustado!) na orla da floresta. A terra fértil deu-lhe aconchego; o sol aqueceu-o como um pai extremoso; a chuva encorajou-o a sair da terra com confiança.
Tanto mimo não foi em vão: pôs os olhos no horizonte e cresceu, cresceu, cresceu…
Alheio à efemeridade da sua condição, forte e belo, o cogumelo assume-se como o rei do prado!
 
 
António Pereira

 


21.2.13

.Uma mulher na floresta...



Procurando uma e outra sobreviver aos desafios que a existência impõe, impiedosa, as suas vidas ligaram-se numa simbiose sem retorno. A mulher entrou na floresta e, num instantâneo que os meus dedos trémulos provocaram, ali ficou, em suspenso no tempo, cercada de flores esvoaçantes como borboletas amarelas...
 
 
Olhei para a câmara e, comovido, vi uma pintura de Monet…

António Pereira

20.2.13

.Os sonhos vêm e vão...



A confiança e o vigor que a juventude dá alimentam o sonho secreto do espargo. A vastidão do prado não lhe chega. A abundante luz solar a enchê-lo de matéria orgânica e a acentuar o verde-escuro das vestes também não. A verdadeira adrenalina vem-lhe do desejo incontrolável de chegar um dia ao céu…

Afasto-me, antecipando o inevitável: em breve, sem dar por isso, o rebento tenro desmultiplicar-se-á em espinhos duros como a vida e dependerá, para sempre, das raízes mergulhadas no solo profundo e cada vez mais distantes do azul infinito…

António Pereira

.As camélias choram em silêncio...


 
As gotas de chuva caem, com cadência matemática, nas flores delicadas e ansiosas pelos insetos que tardam…

Em silêncio, a cameleira chora, inconformada, a perda irremediável do pólen agora estéril e perdido para sempre…

Ao fundo, na capoeira, as galinhas, indiferentes ao drama, comem o milho dourado e vigiam, gulosas, os grelos de nabo que florescem na horta.

 
António Pereira

.O meu sobreiro...



Mesmo junto à casa, ergue-se, imponente e vigilante, o sólido sobreiro. Quem lá passa, com o olhar desgastado pela rotina, já não o vê. Amuado, permanece ali, silencioso, projetado na paisagem, de costas viradas para a mata, ao fundo, onde os cogumelos e os espargos medram, estimulados pela chuva mansa caída do céu generoso.

Eu olho e gravo, feliz, cada detalhe na película da alma…


António Pereira

.Gato que brincas na rua

Branquinha (num momento de pausa entre as brincadeiras... na rua!)
 

Gato que brincas na rua
  Como se fosse na cama,
  Invejo a sorte que é tua
  Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
  Que regem pedras e gentes,
  Que tens instintos gerais
  E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
  Todo o nada que és é teu.
  Eu vejo-me e estou sem mim,
  Conheço-me e não sou eu.                                                             

Fernando Pessoa, 1931